O Gênesis nos conta que Deus
plantou um jardim no Éden, e o deu ao homem para que habitasse e preservasse.
Deus fez dessa terra, um paraíso, ou seja, tudo que o homem necessitasse ela lhe
daria; árvores, frutas, água em abundância, metais e pedras preciosas, animais
etc.
Deus, através da sua sabedoria,
deu ao homem a posse sobre todo o jardim e o que nele se encontrava, e disse:
“para a alimentação eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está
sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente,
ser-vos-á para mantimento” (Gn 1,29).
Observando essas palavras
encontramos uma peculiaridade na permissão do consumo destes vegetais. Deus
diz: “toda erva e fruto que der semente”, ou seja, que possa ser plantado.
Podemos construir, a partir desta particularidade, uma reflexão expondo a
preocupação de Deus em nos avisar que devemos utilizar esses meios naturais
desde que seja possível sua reprodução. A idéia de não se utilizar(-se) do que
é esgotável ou não utilizar algo de forma que se possa esgotá-lo. Deus nos
ensina a extrairmos da terra nosso sustento com responsabilidade, com sentido de
preservação.
Olhando atentamente podemos,
também, entender que Deus nos deu vegetais e frutos que deem sementes a fim de
que tenhamos o direito ao cultivo, ou seja, temos o direito à “semente”. Hoje,
a tecnologia, com seus transgênicos, elimina as sementes das frutas e verduras e
gera alimentos híbridos. Podemos, neste contexto, compreender os alimentos
transgênicos como uma transgressão à criação divina, um exemplo da
autossuficiência do homem em contraposição à sabedoria de Deus na criação.
A água é, também, um grande
sinal desse senso de preservação, pois tendo o povo judeu vivido grande parte da
sua trajetória no deserto, trata-a, desde o início, como uma das maiores bênçãos
de Deus. A segunda narrativa do Gênesis, possivelmente escrita durante o reinado
de Salomão, compreende a água como fonte da vida; por esse motivo, o povo judeu
via a terra seca como ausência de vida.
Esta narrativa nos remete aos
dias de hoje, pois um dos grandes problemas que atravessamos neste milênio, em
função da falta de preservação dos recursos naturais, é a possível falta de água
doce no planeta. Observando o ciclo da história, veremos que, no início dos
tempos, eram travadas longas batalhas pela conquista de terras férteis (água em
abundância); hoje, estamos caminhamos para essa mesma jornada. Atualmente a
grande guerra é pelo petróleo, mas já aparecem indícios fortes e latentes do
novo grande motivo de confronto para o futuro: a água
doce.
“Então Deus modelou o homem com
a argila do solo e soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se
um ser vivente” (Gn 2, 7). Deus fez brotar do solo toda as espécies de árvore
formosa de ver e boa de comer (Gn 2, 9). Então Deus formou do solo todas as
feras e todas a aves do céu (Gn 2, 19). E Deus disse: Eis que vos tenho dado
toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a
árvore, em que há fruto que dê semente, para vosso alimento; e a todo o animal
da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma
vivente, toda a erva verde será para mantimento. (Cf. Gn 1, 29 – 30).
Observando o parágrafo acima,
que traz fragmentos do texto da criação, podemos notar nossa semelhança com os
animais e os vegetais. Ambos fomos feitos a partir da terra; e recebemos,
também, assim como eles, o sopro da vida; pois a palavra nos fala que, também,
os animais receberam o sopro da vida (Cf. Gn 1, 30). Não se encontram neste
grupo, dos seres de alma vivente, as plantas, pois em função do não conhecimento
científico da época, as mesmas eram vistas como inanimadas. Exemplo que se faz
claro na divisão dos dois blocos da criação, onde os vegetais estão junto dos
corpos brutos, enquanto os animais estão no outro bloco da criação, junto dos
seres de alma vivente. Sendo assim, Deus deu aos “seres vivos” os vegetais para
que se alimentassem, seguindo é claro, todas as instruções de preservação, por
Ele, descritas.
Compreendemos então, que,
perante a vida, somos todos irmãos, homens, animais e vegetais. A nossa criação
nos remete a uma semelhança física, não à imagem de Deus, mas à imagem da terra,
do solo. Assim, também, como há em nós uma alma vivente, há, também, nos
animais (Cf. Gn 1, 30). Destarte, nossa imagem e semelhança com Deus se deem no
único fator que nos diferencia dos animais e vegetais: na razão. Somos seres
racionais. Por isso o mundo foi submetido a nós (no sentido de cuidar). Sendo
assim, negar a razão é uma transgressão; é recusar a glória de Deus em nossas
vidas; repudiar o que de forma diferenciada, nos deu, Deus na criação: sua
imagem e semelhança.
Somos seres racionais e isso
nos torna semelhantes a Deus, contudo, somos seres feitos a partir do pó, ou
seja, semelhantes, também, à terra. Assim, temos nossa origem, nossa gênese: o
Deus Pai e a Mãe Terra. Essa leitura nos leva a compreender que, na criação, nos
são apresentados, não, apenas, os seres humanos como irmãos, mas, também, toda a
natureza. Esta é a grande hora e se faz necessário, mais do que nunca,
estreitarmos nossa relação com nossa “irmã”, obedecendo ao chamado de Deus em
Gênesis capítulo 2, versículo 15 que nos diz para zelarmos por ela. A natureza
é a nossa fonte vida de vida; destruí-la é optar pela morte; é transgredir.
Por esse motivo a ideia do
paraíso, não apenas contribui, mas doutrina, educa e transforma a nossa relação
com o meio ambiente, trazendo uma consciência ecológica que foge ao
antropomorfismo; uma ideia que nos faz acreditar que o Gênesis é um chamado
para a vida, e que esta, não se dá fora da nossa relação fraterna e de harmonia
com a natureza.
Por Daniel G. Ribeiro